terça-feira, 28 de outubro de 2008

"Mas é ainda demasiado cedo, é ainda tempo de guardar no silêncio dos dias a vontade de te querer..."

"E perguntas à tua imagem onde vês um homem mais baixo, menos belo e menos inteligente do que na realidade és se essa mulher já passou pela tua distração ou se a divina providência ainda te pode trazer, vestida de Primavera com os cabelos compridos e um sorriso tão sem idade como o teu. Imaginas a sua chegada como se descesse de um balanço suspenso das nuvens, as pernas compridas e os braços estendidos, o cheiro adocicado da pele clara, a boca a pedir atenção e o olhar a perguntar-te se a vais escolher, quando foi ela que já te escolheu e só te está a dar a ilusão que és tu que mandas na tua vida.

Ao espelho, onde vês o reflexo entre o homem que és e aquele que gostarias de ser, respiras fundo e desejas que essa mulher chegue um dia, mas não demasiado cedo para te assustar nem demasiado tarde porque entretanto pode aparecer outra e tu vais deixar-te ir, convencido que é essa e não eu a mulher da tua vida.

O que tu não sabes, meu querubim cansado, é que do outro lado do espelho eu te vigio, como se fosse o teu avesso e te protejo, como se fosse o teu presente, e te desejo, como se pudesse ser o teu futuro.


Mas é ainda demasiado cedo, é ainda tempo de guardar no silêncio dos dias a vontade de te querer. É ainda de manhã e tu estás atrasado para o trabalho e eu estou adiantada na tua vida, por isso respiro fundo do outro lado da tua imagem e espero, sentada no balanço, lá mesmo em cima, para que não me vejas, que um dia dês o salto para o outro lado da tua vida e sejas quem sempre sonhaste para que te vejas ao espelho como eu já te vejo, como tu és.”

(Ao espelho – Margarida Rebelo Pinto)

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